sábado, 14 de novembro de 2009

Rio Vermelho paisagem e memória

-------- Venho trabalhando desde 2002 com propostas visuais que abordam o universo das lavadeiras de roupas, referindo-me à memória do corpo e do trabalho, à mitologia, ao gênero e a outras relações possíveis. Os objetos pertencentes a esse cotidiano estão presentes nas obras e na elaboração de um repertório imaginário, conceitual, e que neste trabalho adquirem outros significados.





-------Lençóis esquecidos no Rio Vermelho

intervenção urbana

Em 28 de setembro de 2009, a terceira proposta da série

A obra é uma instalação efêmera que acontece por um período de doze horas em um espaço específico – um trecho de aproximadamente 500 metros do leito do Rio Vermelho. Atua e interfere na paisagem do rio, se relaciona com a história do Rio Vermelho como lugar de manifestações sociais, trabalho e memória da cidade. Tenho como parceiros nesta proposta os fotógrafos Paulo Rezende e Vicente Sampaio, que registraram as paisagens alteradas durante toda a permanência da intervenção no rio, inclusive com registros aéreos. Interessa-me finalizar as idéias, ou propostas, usando a mestiçagem de técnicas, mídias e linguagens.


                                             Foto: Vicente Sampaio

---------- Para realizar esta proposta pesquisei fotos antigas que registram as lavadeiras trabalhando em vários lugares do leito e das margens do rio. São registros do começo e meados do séc. XX, que pertencem a coleções particulares e aos acervos do Museu de Arte Sacra da Boa Morte, na Cidade de Goiás, e do Museu da Imagem e Som, em Goiânia.


--------- Foi antes do nascer do sol de uma segunda-feira, dia de trabalho das antigas lavadeiras, que foram colocados para “quarar”, próximo ao mercado municipal, no grande lajeado na margem do Rio Vermelho, vários lençóis azulados, que cobriam quase toda a área da grande pedra.



                                                        Foto: Paulo Rezende

---------- Um pouco mais adiante, próximo à ponte do Carmo – local impregnado de memória, por ser um dos mais preferidos pelas lavadeiras e muito registrado nas fotos antigas –, foram distribuídas vinte e cinco bacias grandes, de alumínio, algumas com lençóis brancos de “molho” e outras cheias de água com anil. Estavam todas sobre uma ilha coberta de vegetação rasteira, bem verde, que o rio apresenta no seu leito antes das chuvas chegarem.


                                          Foto: Paulo Rezende

--------- Grandes lençóis alvejados estavam “estendidos” em um varal e presos nas estruturas de madeira da ponte da Casa de Cora. O dia estava nascendo, o Rio Vermelho corria com águas muito claras e espelhava a cena, duplicando tudo, os lençóis e o céu muito azul
 


                                                        Foto: Paulo Rezende


                                                        Foto: Paulo Rezende




                                           Foto: Paulo Rezende

.........Muita água rolou debaixo da ponte do rio Vermelho até que uma artista, investida de criativa ousadia, como uma criança feliz de rua dentro do só e de si, resolvesse tingir lençóis que fossem como pedaços de céus de anil a serem estendidos sobre o sonho “nagual” de um rio. Mas os lençóis não eram apenas manifestos utópicos de pureza e ternura para com a paisagem de uma bela e mágica cidade que teve a primazia de liderar a geopolítica goiana durante quase três séculos. Havia um gesto de cura para com a dor do passado. Uma gesta do presente para um futuro ao sereno.
Mas se não havia porquê: era só poesia!
Bené Fonteles - texto POESIA – 2009


         Foto: Don Cândido Penso     Lavadeiras do Rio vermelho


.......As lavadeiras de roupa “para fora” – a lavagem de roupas que não as da própria família – fizeram parte das paisagens urbanas brasileiras: passando pelas ruas carregando as trouxas na cabeça, buscando a roupa suja e entregando a roupa limpa; imersas nas águas rasas dos rios, batendo as roupas nos batedouros formados pelos lajeados e pedras que escapam acima da superfície da água; ensaboando, esfregando e enxaguando as peças; estendendo-as nos varais, arbustos e cercas... Para que as casas e os corpos pudessem se purificar com as trocas constantes de roupas, recorria-se ao trabalho das lavadeiras.
Nei Clara de Lima – texto : Trouxas e barrelas -2009.


                                            Lavadeiras do RIo Vermelho



2 comentários:

  1. Para além da poesia, cresce a levesa dos tons de azuis, uns calidos, outros eternos e fortes, como sonhos na vespera da aurora...Vale pelas manchas d'agua no lençóis dispostos, como em um arranjo de delícias, e surpresas...
    Cada dia um novo cheiro, e o cheiro acre-doce do anil, trazendo à lembrança, a frieza das águas, o calor do sol da manhã, o querer das necessidades, o sabor do suor nos labios.
    Mais que história, uma profusão de verdades sentidas no corpo, e indelevelmente n'alma.

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  2. De quando é a foto Lavadeiras do Rio Vermelho de Don Cândido Penso. Meu e.mail fabiana.figueiredo@mp.go.gov.br

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